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A reforma do código civil e as propostas de extinção dos alimentos familiares

Como se sabe, a reforma do Código Civil Brasileiro é um projeto de lei que está em análise no Senado Federal. O anteprojeto foi elaborado por uma comissão de 38 juristas, que iniciaram o trabalho em 2023. O texto final foi recentemente protocolado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e ainda não há prazo para que a reforma do Código entre em vigor.

Algumas das principais mudanças propostas no anteprojeto, sugestões formuladas pela Comissão de Juristas especialistas, foram relativas à extinção dos alimentos familiares entre cônjuges, conviventes e parentes.

Acerca do tema, uma das situações que pode levar à extinção da obrigação alimentar é quando há uma mudança substancial nos fatores que determinam essa obrigação, permitindo uma ação de exoneração de alimentos. Esta ação, assim como a ação revisional de alimentos, é prevista no artigo 1.699 do atual Código Civil, que estabelece: “se, fixados os alimentos, sobrevier mudança na situação financeira de quem os supre, ou na de quem os recebe, poderá o interessado reclamar ao juiz, conforme as circunstâncias, exoneração, redução ou majoração do encargo”.

A jurisprudência tem estabelecido que a sentença de exoneração ou revisão dos alimentos possui efeito retroativo à data da citação na ação correspondente. A Súmula n. 621 do STJ, editada em 2018, afirma: “os efeitos da sentença que reduz, majora ou exonera o alimentante do pagamento retroagem à data da citação, vedadas a compensação e a repetibilidade”.

Além disso, a simples modificação dos fatores determinantes dos alimentos não é suficiente para alterar seu valor ou atribuí-lo posteriormente ao cônjuge. O STJ, por exemplo, entende que “a concessão do pensionamento não está limitada somente à prova da alteração do binômio necessidade-possibilidade, devendo ser consideradas outras circunstâncias, tais como a capacidade potencial para o trabalho e o tempo decorrido entre o seu início e a data do pedido de desoneração” (STJ, REsp 1.829.295/SC, 3.ª Turma, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 10.03.2020, DJe 13.03.2020).

Esses entendimentos permanecem relevantes diante do atual texto do art. 1.699 da legislação civil.

Em relação aos menores de dezoito anos, a obrigação alimentar se extingue ao atingirem a maioridade, entretanto, essa extinção não é automática, exigindo uma ação judicial para que seja efetivada. Em 2008, o STJ publicou a Súmula n. 358, esclarecendo que “o cancelamento de pensão alimentícia de filho que atingiu a maioridade está sujeito à decisão judicial, mediante contraditório, ainda que nos próprios autos”.

Não obstante, a obrigação alimentar dos pais pode continuar para filhos universitários até que completem seus estudos e cesse a dependência financeira. O STJ, em sua ferramenta Jurisprudência em Teses, na Edição n. 65, afirma que “é devido alimentos ao filho maior quando comprovada a frequência em curso universitário ou técnico, por força da obrigação parental de promover adequada formação profissional” (Tese n. 4).

O Enunciado n. 344, aprovado na IV Jornada de Direito Civil, também reconhece que “a obrigação alimentar originada do poder familiar, especialmente para atender às necessidades educacionais, pode não cessar com a maioridade”.

Tanto é que, em recente decisão no TJSP, houve a mantença da obrigação alimentar de pai com filha que já alcançou a maioridade civil [1]. O entendimento é de que a maioridade não extingue automaticamente o dever de prestação de alimentos, que pode persistir com base na solidariedade familiar e em situações de necessidade comprovada.

No caso específico, o Tribunal do Estado de São Paulo reconheceu que a jovem demonstrou incapacidade de prover o próprio sustento, especialmente devido à necessidade de cuidar de uma filha pequena, e à falta de formação profissional, pois ainda não concluiu o ensino médio.

Ou seja, embora a maioridade civil encerre o poder familiar e o dever de sustento presumido, o vínculo de parentesco mantém o dever de solidariedade.

Por outro lado, o STJ tem decidido que os pais não têm a obrigação de custear a educação pós-universitária dos filhos, como em cursos de especialização, mestrado ou doutorado. Conforme decisão do Informativo n. 484 da Corte:

“(…) O incentivo à qualificação dos filhos não pode ser imposto aos pais indefinidamente, sob pena de distorcer a natureza da obrigação alimentar, que visa assegurar condições mínimas de subsistência. A formação profissional considera-se completa com a graduação, permitindo ao bacharel, em tese, prover seu próprio sustento, o que elimina a presunção iuris tantum de necessidade do filho estudante. Portanto, a missão de criar filhos se estende além do poder familiar, mas cessa com a conclusão do curso de graduação, a partir de quando as relações de parentesco ainda permitem a busca de alimentos, desde que comprovada a necessidade efetiva. Assim, a Turma deu provimento ao recurso para desobrigar o recorrente de prestar alimentos à sua filha” (STJ, REsp 1.218.510/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 27.09.2011).

Nesse contexto, existe uma lacuna legislativa em relação a essas situações, criando uma possível insegurança jurídica sobre o pagamento de alimentos a filhos que atingem a maioridade, mas ainda precisam de apoio financeiro dos pais. Por isso, o Projeto de Reforma do Código Civil busca trazer mais clareza e segurança jurídica às pessoas!

A Comissão de Juristas propôs manter o caput do art. 1.699, incluindo dois novos parágrafos. O § 1º sugere que “nas hipóteses de alimentos pleiteados por crianças e adolescentes, a obrigação cessa com a maioridade, mas cabe ao alimentante o ônus de pleitear a cessação do pagamento”. Assim, como já entendido pela jurisprudência superior e conforme a Súmula n. 358 do STJ, a maioridade encerra o dever alimentar, mas não automaticamente, cabendo ao devedor buscar sua extinção judicialmente.

Adicionalmente, o § 2º prevê que “atingida a maioridade por pessoa apta ao trabalho, o direito de pleitear alimentos será prorrogado por tempo razoável para que conclua sua formação educacional, compreendida como aquela necessária à conclusão de curso de ensino superior, técnico ou profissionalizante”. Esse entendimento majoritário da doutrina e jurisprudência assegura alimentos ao filho até o término do ensino superior.

Outro aspecto importante sobre a extinção dos alimentos é abordado pelo art. 1.708 do Código Civil, que diz que o casamento, união estável ou concubinato do credor causam a cessação do dever alimentar. Um enunciado da III Jornada de Direito Civil, n. 265, ressalta que “na hipótese de concubinato, é necessário provar assistência material pelo concubino ao credor”.

Assim, a simples existência do concubinato não extingue automaticamente a obrigação alimentar; deve-se comprovar a dependência material do credor.

Já o parágrafo único do art. 1.708, que relaciona a cessação do direito a alimentos a comportamento indigno do credor, tem gerado debates ao longo dos anos. A definição desse “procedimento indigno” não é clara, o que levou à edição do Enunciado n. 264 na III Jornada de Direito Civil, sugerindo que “na interpretação do que seja procedimento indigno do credor, apto a fazer cessar o direito a alimentos, aplicam-se, por analogia, as hipóteses dos incisos I e II do art. 1.814 do Código Civil”.

Com relação a isso, a proposta de uma interpretação restritiva busca evitar que a conduta pós-relacional do credor, como novos relacionamentos amorosos, afete o direito a alimentos. Devido às controvérsias, a Comissão de Juristas propõe mudanças substanciais, essenciais para esclarecer essas questões e fortalecer a segurança jurídica.

A nova redação proposta para o art. 1.708 é: “o direito de receber alimentos poderá ser extinto ou reduzido caso o credor tenha causado ou venha a causar ao devedor danos psíquicos ou grave constrangimento, incluindo violência doméstica, perda da autoridade parental e abandono afetivo e material. Parágrafo único: A extinção total ou parcial do direito aos alimentos dependerá da gravidade dos atos praticados”.

De acordo com especialistas da área de Direito de Família, o objetivo é eliminar a discussão sobre “culpa” no contexto alimentar, adotando uma abordagem mais clara e objetiva. Tais mudanças são alinhadas com a proteção dos direitos das mulheres, um princípio central do Anteprojeto!

Por fim, a redução dos alimentos com base na seriedade da conduta é enfatizada pelo Enunciado n. 345, da IV Jornada de Direito Civil, que afirma que a indignidade do credor pode levar à exoneração ou apenas à diminuição do valor da pensão alimentícia, garantindo a subsistência do credor.

Diante das propostas elencadas, especialmente no que tange à extinção dos alimentos familiares, revela-se a necessidade premente de ajustes legais que acompanhem a evolução da sociedade e da jurisprudência. As mudanças sugeridas buscam não apenas harmonizar a letra da lei com o entendimento doutrinário e judicial, mas também proporcionar maior segurança jurídica aos envolvidos nas relações alimentares.

As reformas propostas não só refletem as mudanças sociais e econômicas recentes, mas também promovem uma abordagem mais humana e compreensiva das relações familiares. Espera-se que, com a implementação dessas reformas, o Código Civil proporcione um arcabouço legal mais robusto e adaptável às necessidades contemporâneas, servindo de base para decisões judiciais mais consistentes e apropriadas no campo do direito de família.

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 [1] Apelação Cível: 1004235-63.2023.8.26.0009.

Cecile Rocha de Oliveira é Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU e Pós-graduada em Direito Processual Civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Atualmente é membro da Comissão de Direito Civil e Comissão de Direito de Família e Sucessão da OAB Butantã. Possui experiência em contencioso cível em geral, atuando nas áreas de Direito Civil, Consumidor, Saúde, Imobiliário, Família e Sucessões.

Cecile Rocha de Oliveira

Autor Cecile Rocha de Oliveira

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