A execução extrajudicial de imóveis é um procedimento que visa a satisfação de dívidas garantidas por hipoteca, alienação fiduciária ou outras formas de garantia real, regulado por normas específicas que protegem os direitos tanto do credor como do devedor.
Antes da Lei 14.711/2023 (Marco Legal das Garantias), não havia um critério definido na Lei 9.514/97 (Alienação fiduciária), a respeito do que seria uma venda por preço vil, apenas uma definição em seu artigo 27, de que o valor da venda deve ser suficiente para quitar a dívida, e se houver saldo, este deve ser devolvido ao credor, o que dava a impressão de poderia ocorrer uma venda do imóvel pelo simples valor da dívida ou de valor inferior a 50% (cinquenta por cento) da avaliação.
Recentemente, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ)[1], decidiu que é nula a arrematação de imóvel a preço vil, no caso, aquele inferior a 50% (cinquenta por cento) do valor da avaliação. E mesmo antes da vigência da Lei 14.711/2023, já havia reconhecimento na Corte Superior para reconhecer a impossibilidade da arrematação a preço vil nas execuções extrajudiciais de imóveis alienados fiduciariamente.
A proibição da arrematação por preço vil está ancorada em diversos dispositivos legais e princípios jurídicos, destacando-se o “Princípio da Função Social da Propriedade”, previsto no artigo 5º, inciso XXIII, da Constituição Federal, e o artigo 891, do Código de Processo Civil: “Não será aceito lance que ofereça preço vil. Parágrafo único. Considera-se vil o preço inferior ao mínimo estipulado pelo juiz e constante do edital, e, não tendo sido fixado preço mínimo, considera-se vil o preço inferior a cinquenta por cento do valor da avaliação.” (grifou-se).
Diante do risco da venda do imóvel em leilão por preço vil, o renomado jurista Melhim Namem Chalhub já sinalizava para a necessidade de alteração do § 2º do art. 27 da Lei nº 9.514/1997: “(…) para o efeito de fixar como preço mínimo para venda do imóvel no segundo leilão o correspondente a 50% do valor de avaliação estipulado no art. 24, IV, e seu parágrafo único dessa mesma lei, como forma de adequar essa alienação forçada à regra do art. 891, parágrafo único, do Código de Processo Civil, que qualifica como venda a preço vil aquela realizada por valor inferior a 50% do valor da avaliação.” (Alienação fiduciária: negócio fiduciário, 7. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2021, pág. 355 – grifou-se).
Com a alteração da Lei 14.711/2023, hoje o parágrafo 2º do artigo 27, da Lei 9.514/97, indica que, em segundo leilão, não pode ser aceito lance inferior à metade do valor de avaliação do bem, ainda que superior ao valor da dívida.
No caso decidido pela Corte Superior, tendo sido o imóvel arrematado já no segundo leilão, por quantia muito aquém da metade do preço de avaliação não reajustado, reconheceu-se a nulidade da arrematação, fazendo com que as partes retornassem ao estado em que estavam antes da arrematação, com a necessidade de realização de novo público leilão, observadas as formalidades exigidas pela Lei nº 9.514/1997.
Desse modo, a proibição da arrematação de imóveis por preço vil, decorrentes leilões judiciais ou extrajudiciais, é uma medida essencial para garantir a justiça e a equidade no processo de execução extrajudicial. Ela protege o devedor, assegura a função da propriedade e mantém a integridade do mercado imobiliário.
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[1] REsp 2.096.465Flavio Marques Ribeiro é Graduado em Direito pela FMU em 2004; Pós Graduado em Processo Civil pela PUC/SP. Pós- graduado em Direito Imobiliário pela Escola Paulista de Direito (EPD) e Pós-graduado em Direito Civil Empresarial e Contratos pela Damásio Educacional. Experiência e liderança no Contencioso Cível em diversos escritórios, com litígios envolvendo as áreas de Direito Empresarial, Contratual, Consumidor, Imobiliário, Societário, Tributário, Família e Sucessão.