Mais um tema importante, envolvendo questões de alienação fiduciária de bens imóveis, restou decidido pelo Judiciário.
No final do ano passado, em julgamento de embargos de divergência, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), adotou entendimento de que mesmo ausente o registro do contrato de compra e venda, com pacto de alienação fiduciária, no cartório de registro de imóveis, sua ausência não retira a validade e a eficácia do contrato [1].
Prevaleceu o entendimento do Ministro Ricardo Villas Bôas, que explicou que “o registro, conquanto despiciendo para conferir eficácia ao contrato de alienação fiduciária entre devedor fiduciante e credor fiduciário, é sim, imprescindível para dar início à alienação extrajudicial do imóvel, tendo em vista que a constituição do devedor em mora e a eventual purgação desta se processa perante o oficial de registro de imóveis, nos moldes do artigo 26 da Lei 9.514/1997″.
Mesmo sem registro, o contrato celebrado entre as partes possui total validade e eficácia, prestigiando todos os princípios contratuais, especialmente a boa-fé, condição essencial para o negócio jurídico.
Por outro lado, o registro é obrigatório para garantir ao credor o direito de iniciar a alienação extrajudicial do imóvel.
Essa decisão impede também que o devedor não procure rescindir o contrato, por meio diverso daquilo que foi pactuado, como a inaplicabilidade da lei de alienação fiduciária de bens imóveis [2].
É fundamental que o credor sempre faça o registro do contrato de compra e venda, no cartório de registro de imóveis.
De modo que após o registro, o credor possa dar início à alienação extrajudicial, com a constituição do devedor em mora e o eventual adimplemento, perante o oficial do registro imobiliário, nos moldes do artigo 26 da Lei 9.514/1997 [3].
Com esse entendimento, Juízes e Tribunais não poderão mais afastar a aplicação da legislação especial de alienação fiduciária, muitas vezes inaplicada, por conta da ausência do registro do contrato, fazendo com que o devedor fiduciário buscasse a rescisão, para obter os percentuais previsto na lei do distrato [4] ou pelo CDC, que também mais não é aplicável, conforme decisão da 2ª Seção do STJ [5].
Vale reforçar que afastar a aplicação dos artigos 26 e 27 da Lei 9.517/97, pela mera ausência de registro, incentivaria um comportamento contraditório do devedor fiduciante (venire contra factum proprium), e também em face da própria jurisprudência do STJ, que já concedeu à alienação fiduciária em garantia, um tratamento jurídico diverso daquele que já se assegurou à hipoteca e à promessa de compra e venda [6].
Portanto, a ausência de registro do contrato de alienação fiduciária não confere ao devedor o direito de promover a rescisão por meio diverso daquele contratado, de modo que configurado o inadimplemento o credor fiduciário, após a efetivação do registro, promoverá o procedimento de execução extrajudicial perante o cartório de registro de imóveis, caso não haja a tempestiva purgação da mora, prosseguindo-se com a alienação do bem em leilão e entrega ao devedor do valor remanescente, abatidos os valores da dívida e as demais despesas comprovadas, conforme previsto nos artigos 26 e 27, da Lei 9.514/97.
Daí porque o registro do contrato é importante, pois mesmo que ausente, não se retire a validade ou eficácia do contrato, com o registro é garantido ao credor iniciar o procedimento de execução extrajudicial, previsto na legislação especial.
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[1] EREsp 1.866.844.
[2] Lei 9.514/97.
[3] “Vencida e não paga a dívida, no todo ou em parte, e constituídos em mora o devedor e, se for o caso, o terceiro fiduciante, será consolidada, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário”.
[4] Lei 13.786/2018.
[5] REsp 1.891.498 / REsp 1.894.504.
[6] REsp n. 1.455.554/RN, relator Ministro João Otávio de Noronha, Terceira Turma, julgado em 14/6/2016, DJe de 16/6/2016; REsp n. 1.185.383/MG, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 8/4/2014, DJe de 5/5/2014.
Flavio Marques Ribeiro é Graduado em Direito pela FMU em 2004; Pós Graduado em Processo Civil pela PUC/SP. Pós- graduado em Direito Imobiliário pela Escola Paulista de Direito (EPD) e Pós-graduado em Direito Civil Empresarial e Contratos pela Damásio Educacional. Experiência e liderança no Contencioso Cível em diversos escritórios, com litígios envolvendo as áreas de Direito Empresarial, Contratual, Consumidor, Imobiliário, Societário, Tributário, Família e Sucessão.