Em 30 de outubro de 2023, foi sancionada a lei 14.711/23, denominada de Marco Legal das Garantias, trazendo importantes inovações sobre a alienação fiduciária de bens imóveis.
De início, cumpre reforçar que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Tema 982, declarou constitucional o procedimento de execução extrajudicial, previsto na lei 9.514/97, trazendo mais segurança jurídica neste importante instrumento de garantia envolvendo a concessão de créditos. [1]
Dentre as inovações trazidas, podemos destacar as alienações fiduciárias sucessivas, permitindo-se assim que haja diversas alienações sobre o mesmo imóvel, de modo que as anteriores terão prioridade em relação às posteriores, e no caso de venda pelo credor anterior, os direitos dos credores posteriores serão sub-rogados, cancelando-se os respectivos registros (artigo 22, § 4). [2]
Tal mudança é importante, na medida em que tornará mais acessível o crédito aos adquirentes, tendo a opção de escolher credores que ofereçam melhores condições de taxas de juros, além de conseguirem uma linha de crédito alternativa, para fins diversos.
No caso de recuperação judicial, o artigo 49, § 3º, da Lei 11.101/2005, beneficia todos os credores supervenientes, de modo que a nova lei reconhece que os créditos garantidos por alienações fiduciárias sucessivas não irão se sujeitar aos efeitos do procedimento recuperacional.
Outra importante mudança diz respeito a notificação única, de imóveis localizados em mais de uma circunscrição imobiliária, podendo a intimação para purgação da mora ser requerida em qualquer cartório competente, desde que seja informada a totalidade da dívida e dos imóveis passíveis de consolidação da propriedade (artigo 26, § 1º, A). [3]
Certamente, que essa notificação única, irá assegurar uma maior efetividade, no procedimento de execução extrajudicial, evitando que o devedor prolongue o pagamento do débito.
Sobre a figura do devedor, tivemos mudanças importantes, como a obrigação de informar o credor fiduciário sobre a alteração do seu endereço, e estando o devedor em lugar ignorado, não for encontrado no imóvel em garantia ou no último endereço fornecido. (artigo 26, § 4º A e B).
A nova lei ainda define o que seria lugar inacessível, como aquele em que o funcionário responsável pelo recebimento da correspondência se recuse a atender a pessoa encarregada ou que não haja funcionário responsável pelo recebimento (artigo 26, § 4º, C).
No tocante ao procedimento de cobrança, a nova regra define os critérios para a realização do segundo leilão, sendo considerado lance mínimo a dívida, despesas e encargos; não havendo licitantes que atenda ao lance mínimo, a dívida será extinta, ficando o credor com a livre disponibilidade do imóvel, estendendo-se a mesma forma para o uso da via judicial (art. 26-A, § 3º a 5).
Tivemos ainda a mudança do prazo para o leilão para 60 (sessenta) dias contados da averbação da consolidação da propriedade (art. 27) e não havendo lance mínimo, o credor poderá aceitar lance igual a 50% (cinquenta por cento) do valor de avaliação, podendo executar a diferença (art. 27, § 2). [4]
Aqui temos uma relevante mudança, pois não se permite mais que a alienação do imóvel seja feita em valor inferior a metade do valor de avaliação, o que muitas vezes era prejudicial ao devedor, seja porque o leilão poderia ser realizado pela dívida mínima, seja porque o imóvel era vendido em valor muito inferior ao valor de avaliação.
Inclusive, recentemente o E. Tribunal de Justiça de São Paulo, acolheu recurso de apelação do devedor, para condenar o credor a restituição de eventual diferença entre o valor da avaliação do bem e o valor da dívida, somados aos encargos do artigo 27, § 2º, da Lei 9.514/97. [5]
Voltando as alterações da alienação fiduciária de bens imóveis, direitos reais de garantia, penhoras, arrestos e indisponibilidades sobre o fiduciante não obstam a consolidação da propriedade e a venda do imóvel, de modo que os titulares sub-rogam-se no direito do fiduciante à percepção do saldo que eventualmente restar do produto da venda (art. 27, §§ 11 e 12).
Havendo excussões sucessivas, o credor poderá excutir em conjunto ou em atos sucessivos, indicando a sequência, exceto se cada imóvel for vinculado a uma parcela da dívida, sendo que a cada leilão, o credor averba nas matrículas dos imóveis não leiloados o demonstrativo do resultado, encaminhando ao devedor. (art. 27-A).
E por fim, devemos destacar que a hipoteca ganha sobrevida, já que a nova lei estrutura o procedimento, igual ao que ocorre na alienação fiduciária.
Concluindo, o marco legal das garantias trouxe importantes inovações, facilitando a concessão de crédito mais barato, e trazendo mais segurança jurídica nas aquisições de imóveis.
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[1] É constitucional o procedimento da Lei nº 9.514/1997 para a execução extrajudicial da cláusula de alienação fiduciária em garantia, haja vista sua compatibilidade com as garantias processuais previstas na Constituição Federal
[2] “Havendo alienações fiduciárias sucessivas da propriedade superveniente, as anteriores terão prioridade em relação às posteriores na excussão da garantia, observado que, no caso de excussão do imóvel pelo credor fiduciário anterior com alienação a terceiros, os direitos dos credores fiduciários posteriores sub-rogam-se no preço obtido, cancelando-se os registros das respectivas alienações fiduciárias”.
[3] 1º-A Na hipótese de haver imóveis localizados em mais de uma circunscrição imobiliária em garantia da mesma dívida, a intimação para purgação da mora poderá ser requerida a qualquer um dos registradores competentes e, uma vez realizada, importa em cumprimento do requisito de intimação em todos os procedimentos de excussão, desde que informe a totalidade da dívida e dos imóveis passíveis de consolidação de propriedade.
[4] § 2º No segundo leilão, será aceito o maior lance oferecido, desde que igual ou superior ao valor da dívida garantida pela alienação fiduciária, das despesas, inclusive emolumentos cartorários, dos prêmios de seguro, dos encargos legais, inclusive tributos, e das contribuições condominiais, podendo, caso não haja lance que alcance referido valor, ser aceito pelo credor fiduciário, a seu exclusivo critério, lance que corresponda a, pelo menos, metade do valor de avaliação do bem.
[5] Apelação nº 1003566-49.2020.8.26.0224.
Flavio Marques Ribeiro é Graduado em Direito pela FMU em 2004; Pós Graduado em Processo Civil pela PUC/SP. Pós- graduado em Direito Imobiliário pela Escola Paulista de Direito (EPD) e Pós-graduado em Direito Civil Empresarial e Contratos pela Damásio Educacional. Experiência e liderança no Contencioso Cível em diversos escritórios, com litígios envolvendo as áreas de Direito Empresarial, Contratual, Consumidor, Imobiliário, Societário, Tributário, Família e Sucessão.