Para contextualizar os institutos perante os condomínios é necessária uma básica explanação sobre estes, como é consabido, supressio é uma expressão que a doutrina portuguesa empresta para o termo alemão cunhado como verwirküng. Este traduz o sentido de redução do conteúdo obrigacional em decorrência do fenômeno pelo qual um direito não mais pode ser exercido, porquanto não usufruído por determinado período de tempo, somando-se a isso o entendimento de que eventual intenção de exercê-lo contrariaria a boa-fé (expectativa) da relação jurídica estabelecida.
Já a surrectio é o exercício continuado de uma situação jurídica em contradição ao que foi convencionado ou ao ordenamento jurídico, de modo a implicar nova fonte de direito subjetivo, estabilizando-se para o futuro.
Como disse o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Luis Felipe Salomão no julgamento do REsp 1.338.432, em 2017, na Quarta Turma, “a supressio inibe o exercício de um direito, até então reconhecido, pelo seu não exercício. Por outro lado, e em direção oposta à supressio, mas com ela intimamente ligada, tem-se a teoria da surrectio, cujo desdobramento é a aquisição de um direito pelo decurso do tempo, pela expectativa legitimamente despertada por ação ou comportamento”.
No direito condominial é possível a aplicação de tais institutos uma vez que uma conduta muito embora esteja contra a convenção condominial seja praticada por anos até que seja estabilizada e torne-se um direito adquirido pelo tempo, sempre estando pautada no princípio da boa-fé.
Para exemplificar é possível analisar a seguinte situação, em que um síndico orgânico/morador eleito regularmente se auto isenta do pagamento da taxa condominial.
Mesmo que não haja previsão na convenção condominial de isenção da taxa para o síndico em exercício, nem mesmo aprovação em assembleia para tal desconto o síndico deixa de realizar o pagamento de tais valores durante todo seu mandato, este pode ser reeleito e ter suas contas aprovadas e tal conduta pode se perdurar por anos, mesmo estando em dissonância das leis condominiais.
Após a estabilização de tal conduta sem que haja contestação é possível enquadrar a auto isenção nos institutos da SUPRESSIO E SURRECTIO tornando-se legal e reconhecida boa-fé objetiva, caso o condomínio venha a cobrar tais valores futuramente pouco será a chance de êxito por conta do aceite tácito de tal situação, nesse sentido o Tribunal de justiça de São Paulo já decidiu [1].
Até mesmo em casos mais específicos em que envolve absorção de área comum por determinada unidade já houve aplicação de tais institutos para validar que a utilização de determinada área comum com exclusividade por tal unidade, por anos, valida a boa-fé e se enquadra nos requisitos da SUPRESSIO E SURRECTIO, assim decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
“Área destinada a corredor, que perdeu sua finalidade com a alteração do projeto e veio a ser ocupada com exclusividade por alguns condôminos, com a concordância dos demais. Consolidada a situação há mais de vinte anos sobre área não indispensável à existência do condomínio, é de ser mantido o statu quo. Aplicação do princípio da boa-fé (suppressio)” [2].
Diante dos julgados mencionados e da referida possibilidade de direito adquirido, destaca-se que os moradores pertencentes a uma massa condominial devem sempre observar as disposições dos documentos internos do condomínio e caso seja identificado qualquer irregularidade é necessário que haja contestação imediata para que tal conduta não se aperfeiçoe com o tempo podendo ensejar a aplicação dos institutos da SUPRESSIO e SURRECTIO.
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[1] APELAÇÃO. DESPESAS DE CONDOMÍNIO. AÇÃO DE COBRANÇA. PREVISÃO NA CONVENÇÃO DE CONDOMÍNIO DE PAGAMENTO DE UM SALÁRIOMÍNIMO AO SÍNDICO QUE NÃO DELEGASSE FUNÇÕES ADMINISTRATIVAS. EX-SÍNDICO QUE CONTAVA COM APOIO DE EMPRESA. PROCEDIMENTO ADOTADO PELO ATUAL SÍNDICO, E QUE PERCEBE REMUNERAÇÃO RATIFICADA EM ASSEMBLEIA EXTRAORDINÁRIA. EX-SÍNDICO QUE ATUOU DE BOA-FÉ COMPENSANDO SUA REMUNERAÇÃO COM O PAGAMENTO DE QUOTA CONDOMINIAL. PROCEDIMENTO REALIZADO POR QUASE 10 ANOS SEM OPOSIÇÃO. TEORIA DA “SUPRESSIO” APLICÁVEL. RECURSO PROVIDO. O réu Charles, de 2008 a 2018, foi Síndico do Condomínio autor. Conforme estabelecido na Convenção do Condomínio, ele deveria receber a remuneração de um salário-mínimo, exceto se delegasse as funções administrativas a empresa idônea. Pelos elementos dos autos, a delegação que ele realizou é semelhante à realizada pela atual síndica. Todavia, a Assembleia Geral Extraordinária, realizada em 29/05/2019, ratificou a remuneração mensal da síndica prevista na Convenção. Nessa linha de pensamento, conclui-se que o réu agiu de boa-fé. Deveria ser remunerado pelo trabalho prestado, mas realizava a compensação da sua remuneração com o que deveria pagar a título de quota condominial. Por outro lado, realizando essa compensação durante quase 10 anos, fica impossibilitando o autor, nesta oportunidade, buscar reverter um procedimento que perdurou por longo período de tempo, sem qualquer oposição. Aplicável, ao caso específico, a teoria da “supressio”, segundo a qual torna-se impossível o exercício de certo direito – ou seja, a sua perda – porque o seu titular jamais o exerceu e, com isso, criou na contraparte a expectativa de que esse direito não seria sequer exigível.
[2] STJ. REsp 214680 / SP. Relator: Min. Ruy Rosado de Aguiar.
Carlos Simão é Bacharel em Direito pela Universidade Paulista. Pós-Graduado em Direito Processual Civil pelo IBMEC-Damásio. Pós-Graduando em Advocacia Cível pela Fundação do Ministério Público do Rio Grande do Sul. Membro Efetivo da Comissão de Direito Condominial da OAB de São Caetano do Sul/SP. Experiência em Direito Imobiliário e Condominial.