De acordo com a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) [1], no último biênio (2021/2022), a construção civil cresceu 17,7% ante 8,2% da economia nacional, havendo ainda uma perspectiva para 2023 de crescimento em 2,5% para o setor.
Com a expansão do mercado imobiliário, também tivemos um aumento de demandas judiciais envolvendo vícios construtivos, principalmente envolvendo imóveis adquiridos na planta, tanto por adquirentes como também por condomínios edilícios.
Mas o que são vícios construtivos? Nos termos da norma técnica da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT NBR 13.752/96 – Perícias de engenharia na construção civil), define-se que os vícios são anomalias que afetam o desempenho de produtos ou serviços, ou os tornam inadequados aos fins a que se destinam, causando transtornos ou prejuízos materiais ao consumidor. Podem decorrer de falha de projeto ou de execução, ou ainda da informação defeituosa sobre sua utilização ou manutenção [2].
São exemplos de vícios construtivos, as rachaduras, infiltrações, problemas de tubulações, elétricos, entre outros. Além disso, esses vícios podem ser aparentes (de fácil visualização, como por exemplo, vidros quebrados, pintura mal feita, etc) ou ocultos (invisíveis, mas que ao longo do tempo são identificados, exemplo: infiltrações, problemas em tubulações, elétricos, etc.).
Dependendo da relação jurídica travada, esses vícios diferenciam-se apenas quanto ao prazo para requerer, em juízo ou fora dele, a reparação do dano ou a indenização devida.
Nas relações de consumo, o prazo para realizar eventuais reclamações, em caso de vícios aparentes, será de 90 (noventa) dias, contados a partir da entrega do imóvel, prazo esse decadencial, na forma do artigo 26, inciso II, do CDC.
No referido prazo decadencial, pode o consumidor exigir qualquer das alternativas previstas no artigo 20 do CDC [3], a saber: a reexecução dos serviços, a restituição imediata da quantia paga ou o abatimento proporcional do preço.
Quanto aos vícios ocultos, imperiosa a análise do artigo 618 do CC [4], que institui a garantia legal, concedendo-se o prazo de 5 (cinco) anos para verificar a eventual existência de defeito ou vício que estivesse oculto por ocasião da entrega da construção.
Sobre o prazo de reclamação, este será de 90 (noventa) dias a partir da constatação, conforme previsto no artigo 26, § 3º, do CDC [5], onde os adquirentes poderão optar pela redibição contratual (artigo 445, CC) ou a pretensão indenizatória (obrigação de fazer ou condenação em pagar – artigo 389 CC).
Percebe-se que pelo Código Civil os prazos são mais extensos, sendo que se for redibição contratual, o prazo decadencial de um ano contado da ciência do vício pelo adquirente (artigo 445, § 1º, do CC) ou se for de indenização, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento que o prazo prescricional será decenal, a partir da constatação do vício [6].
Por outro lado, quando tratamos de vícios ocultos, muito são as controvérsias e as responsabilidades dos envolvidos, principalmente sobre o longo prazo de responsabilidade fixado pelo Superior Tribunal de Justiça, e a falta dos cuidados necessários em algumas ocasiões pelos adquirentes ou do condomínio, este último como exemplo, na manutenção das edificações.
Como não existe uma legislação específica, coube a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), editar 03 (três) relevantes normas:
a) a NBR 5.674/99 (Manutenção de edificações – Procedimento), que dispões sobre os requisitos para a gestão da manutenção em edificações, trazendo um conjunto de ações e registros que devem ser realizados pelos condomínios,
b) a NBR 15575-1/13, que estabelece os prazos de vida útil dos sistemas construtivos e os prazos mínimos de desempenho, e;
c) a NBR 17170/22 (Edificações – Garantias – Prazos recomendados e diretrizes) que estabelece os prazos recomendados de garantia e ressalta a importância da manutenção devida [7].
Mesmo com as normas mencionadas, muitas vezes o Poder Judiciário não faz o reconhecimento destes órgãos técnicos para aferição dos vícios construtivos. Em outras ocasiões, falta preparo dos Peritos Judiciais para avaliação dos vícios construtivos nas demandas judiciais.
O fato é que em muitos casos, em se tratando de condomínios, não é dada a atenção devida no recebimento da obra, deixando de cobrar as construtoras para sanar os vícios construtivos, através dos canais de departamento de assistência técnica, ou deixando de enviar notificações, seja judicial ou extrajudicial, até para garantir a interrupção dos prazos.
Outro ponto é que muitos condomínios não fazem o controle a respeito das manutenções prediais, o que é fundamental para fins de registros das ações efetuadas ao longo dos anos, inclusive, é recomendável que o Síndico enquanto representante da massa condominial, tenha toda a documentação a respeito.
Feitos esses esclarecimentos, é importante que para adquirentes e condomínios, munidos de provas adequadas mencionadas acima, procurem tentar solucionar os problemas decorrentes dos vícios ocultos, na seara extrajudicial. Caso não tenham essas provas, recomenda-se a medida de produção antecipada de provas, para assegurar a regularidade daquela prova, sem que o juízo faça qualquer valoração sobre o seu conteúdo.
Essa medida ainda evita um risco maior quanto ao pagamento de custas processuais e sucumbência, caso fosse intentada diretamente a ação principal (indenizatória ou obrigação de fazer), já que tal medida não tem litigiosidade, cabendo tão somente as partes acompanharem a produção da prova.
Imperioso também ressaltar que não se pode banalizar o ingresso imediato da medida judicial contra as construtoras sob o aspecto do dano moral. Conforme precedente do STJ:
“AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. VÍCIO DE CONSTRUÇÃO. DANO MORAL. PRESUNÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. ENTENDIMENTO ADOTADO NESTA CORTE. INCURSÃO NOS FATOS DOS AUTOS. NÃO OCORRÊNCIA. NÃO PROVIMENTO. 1. “O dano moral, na ocorrência de vícios de construção, não se presume, configurando-se apenas quando houver circunstâncias excepcionais que, devidamente comprovadas, importem em significativa e anormal violação de direito da personalidade dos proprietários do imóvel” (AgInt no AREsp 1288145/DF, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/11/2018, DJe 16/11/2018).
Concluindo, é preciso uma maior consciência, tanto do adquirente ou do condomínio, que precisa procurar a construtora previamente, antes de ingressar de imediato no Judiciário, devendo se optar pela judicialização, demonstrar que procurou a resolução na seara extrajudicial, e estar munido de provas documentais que comprovem não ter dado causa a ocorrência do vício, como as normas da ABNT que tratam do dever de manutenção.
De outro lado, o Poder Judiciário precisa estar mais bem preparado, inclusive com os seus auxiliares (Peritos Judiciais), para avaliar em cada caso concreto, a responsabilidade dos vícios apontados, com observância das normas técnicas, evitando responsabilizar de forma inadequada as construtoras.
[1] https://cbic.org.br/industria-da-construcao-preve-crescimento-de-25-em-2023
[2] ABNT/NBR 13.752/96 – Item 3.75
[3] Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:
I – a reexecução dos serviços, sem custo adicional e quando cabível;
II – a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;
III – o abatimento proporcional do preço.
[4] Art. 618.Os contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e execução responderá, durante o prazo irredutível de cinco anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo”.
[5] Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em:
§ 3° Tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito.
[6] REsp 1717160/DF / RESP 1.721.694.
[7] ABNT NBR 17170. Para o cliente, seja o usuário, seja o proprietário de qualquer tipo de edificação, esta Norma representa um instrumento de referências técnicas e de diretrizes no que diz respeito às garantias, em conjunto com o manual de uso, operação e manutenção das edificações e documento específico fornecidos pelo incorporador, construtor ou prestador de serviços de construção em edificações de toda natureza de uso.
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Flavio Marques Ribeiro é graduado em Direito pela FMU em 2004; Pós Graduado em Processo Civil pela PUC/SP. Pós- graduado em Direito Imobiliário pela Escola Paulista de Direito (EPD) e Pós-graduado em Direito Civil Empresarial e Contratos pela Damásio Educacional. Experiência e liderança no Contencioso Cível em diversos escritórios, com litígios envolvendo as áreas de Direito Empresarial, Contratual, Consumidor, Imobiliário, Societário, Tributário, Família e Sucessão.