A ciência jurídica se atualiza de forma célere, pois não pode desprezar os fatos sociais, e em especial, a realidade da sociedade. Hoje, em tempos de pandemia, em que a maioria das relações se afastaram do contato físico e passaram a se estabelecer no mundo virtual, é possível às pessoas se relacionarem a quilômetros de distância, mas com proximidade, ligação emocional e, inclusive, economicamente.
Do ponto de vista jurídico, embora já exista o reconhecimento do envolvimento virtual, essa forma de relacionamento ainda não é tida como uma relação familiar, ou seja, na teoria jurídica não poderia configurar união estável.
Dispõe o artigo 1.723 do Código de Civil que, união estável é a convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
A convivência pública é aquela que é conhecida no meio social, ou seja, perante os vizinhos, amigos, parentes e colegas de trabalho. A publicidade abrange as postagens e marcações nas redes sociais como, por exemplo, a postagem de uma foto do casal, e na legenda identificar o (a) parceiro (a) como “meu esposo, minha mulher, namorido (a)”, o que pode facilmente configurar a prova da existência de um relacionamento com feições além de um namoro.
No que concerne à continuidade da convivência, se verifica quando o casal (ou um dos que o compõem) evidencia que estão se relacionando continuamente, pois não exige a legislação brasileira um tempo mínimo de convivência para que se configure união estável, mas, sim, o tempo da efetiva e sólida existência da relação.
E com isso, a intenção de formar família é o elemento que melhor distingue a união estável do namoro, podendo ser identificado por uma série de comportamentos que exteriorizem a intenção do casal de constituir família. Inclusive, na união estável o casal vive como se fossem casados, havendo um “efetivo compartilhamento de vidas, com irrestrito apoio moral e material entre os companheiros” (STJ, REsp 1.454.643/RJ, 3ª Turma, Relator Ministro marco Aurélio Belizze, julgado em 03/03/2015).
Dessa forma, é claro e notório que os relacionamentos virtuais romperam o padrão social comum de relacionamento somente presencial, incorporando os mesmos vínculos jurídicos apresentados em relação pessoal/física, evidenciando-se uma união estável, desde que comprovados os seus elementos fáticos.
A partir desse cenário surge o questionamento se a união estável pode ser descaracterizada em razão do distanciamento social, o que embora a coabitação possa servir de elemento de prova da convivência, não constitui um elemento indispensável à caracterização da união estável, uma vez que alguns casais podem dispensar a coabitação por motivos de ordem familiar, profissional, geográfica ou de saúde.
Nesse contexto, as famílias podem optar por celebrar um contrato de convivência, conforme previsto no artigo 1.
725 do Código Civil, o qual possibilitará, dentre outras coisas, a escolha de regime diverso do convencional (comunhão parcial de bens), a determinação do lapso inicial da relação, a eleição dos parâmetros da relação sem o atendimento da fidelidade, ou até mesmo a deliberação acerca da metodologia da gestão de conflitos quando da possível dissolução da união.
Destaca-se que para a redação deste contrato não há exigência legal para a sua formalização, podendo ser celebrado por meio de escritura pública ou instrumento particular, produzindo, em qualquer das hipóteses, a mesma eficácia jurídica.
Por outro lado, caso os indivíduos queiram limitar seu relacionamento às feições de um namoro, é preferível a celebração de um contrato de namoro, o qual será pactuado nos moldes do artigo 462 do Código Civil. A hipótese deste contrato garantirá ao casal a proteção patrimonial, pois a relação não será enquadrada como união estável, e em caso de óbito de um dos namorados, poderá estabelecer que o sobrevivente não terá direito sucessório ou previdenciário.
Portanto, diante dos diversos relacionamentos amorosos, os quais hoje principalmente se materializam através do mundo virtual, é fato que tais produzem os mesmos efeitos jurídicos decorrentes de uma relação pessoal. Assim, os contratos de convivência e de namoro surgem como alternativas de delimitação de direitos e deveres de cada indivíduo.
Cecile Rocha de Oliveira é Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU e Pós-graduada em Direito Processual Civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Curso de Planejamento Matrimonial – Do Bem aos Bens. Possui experiência em contencioso cível, passando pelas áreas de Direito Bancário, Direito Civil e Direito do Trabalho. Atualmente, advoga na ZMR Advogados na área de Direito Imobiliário.