Afinal, qual a natureza jurídica do seu condomínio?
Essa é uma dúvida recorrente que perdura por muitos anos e para entender esse complexo tema que envolve direito condominial, é necessário analisar os princípios da constituição de um condomínio.
O condomínio edilício é um instituto jurídico de direito privado, que surge e existe da pura manifestação de vontade das partes, conforme o artigo 1.332, do Código Civil.
Outrossim, um condomínio vertical ou horizontal é composto por duas partes, a parte comum e a parte individual, ambas indivisíveis e inseparáveis presentes na mesma relação imobiliária.
Ainda que o condomínio edilício possua propriedades autônomas e áreas comuns, dispondo também de um representante legal em nome coletivo, existe a discussão se o mesmo teria ou não personalidade jurídica, visto que o artigo 44, do Código Civil, é taxativo e não o relaciona em seu rol:
Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:
I – as associações;
II – as sociedades;
III – as fundações.
IV – as organizações religiosas;
V – os partidos políticos.
VI – as empresas individuais de responsabilidade limitada.
Embora a lei não tenha concedido a personalidade jurídica aos condomínios, os mesmos exercem funções e atos como se tivessem tal personalidade, haja vista que o condomínio pode ingressar e responder ações judiciais, possui um representante legal, contrata e dispensa funcionários, paga tributos e se inscreve na Receita Federal para obter um CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica), todas essas atividades demonstram a personalidade jurídica de um condomínio, porém não há o reconhecimento legal.
A doutrina é divergente quanto a este entendimento, para FRANCISCO CAVALCANTI PONTES DE MIRANDA [1], os condomínios possuem personalidade jurídica: “Eles não possuem personalidade jurídica, mas excepcionalmente podem adquirir direitos e contrair obrigações. Em razão de política legislativa, tais entes possuem personalidade judiciária. São exemplos desta espécie: massa falida, espólio, sociedade de fato, condomínio.”
Já CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA [2], entende que o condomínio edilício não possui personalidade jurídica: “A reunião dos condôminos é destituída de personalidade. Falta completamente a ‘affectio societatis’. E, se um vínculo jurídico os congrega, não é, certamente, pessoal, mas real, representados os direitos dos condôminos pelos atributos dominiais sobre a unidade e uma copropriedade indivisa, indissociável daqueles, sobre as coisas comuns.”
O tema foi discutido na III Jornada de Direito Civil, momento em que foi editado o enunciado 90, em detrimento do enunciado 246, ambos reconhecendo a personalidade jurídica ao condomínio edilício, verbis:
“Enunciado 90 – Deve ser reconhecida personalidade jurídica ao condomínio edilício nas relações jurídicas inerentes às atividades de seu peculiar interesse.”
“Enunciado 246 – Fica alterado o Enunciado n. 90, com supressão da parte final: “nas relações jurídicas inerentes às atividades de seu peculiar interesse”. Prevalece o texto: “Deve ser reconhecida personalidade jurídica ao condomínio edilício”.
O tema é extremamente controverso, na aplicação prática do judiciário, os Tribunais de Justiça divergiam em seus acórdãos, até que o Superior Tribunal de Justiça em julgamento do recurso especial 1.486.478 – PR – publicado em 28/04/2016, tendo como relator o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, pacificou o entendimento de que o condomínio é um ente despersonalizado, pois foi esse o entendimento jurídico dado pela lei, de acordo com o trecho do voto abaixo:
“Torna-se necessário, portanto, firmar uma posição acerca da natureza jurídica do condomínio edilício.
Nesse passo, propõe-se adotar a corrente que considera o condomínio um ente despersonalizado, pois foi esse o tratamento jurídico dado pela lei.
Ademais, não há interesse social ou econômico relevante que justifique a personalização dos condomínios, uma vez que estes se destinam exclusivamente a atender aos interesses dos condôminos no âmbito restrito da administração e conservação do imóvel.
É certo que a disciplina legal dos condomínios tem se mostrado inadequada para a realidade dos supercondomínios, mas, a meu juízo, esse problema se resolve por meio do suprimento de lacunas, uma vez que se trata de uma realidade nova, não prevista pelo legislador.
Não é o caso, portanto, de se fazer uma interpretação contra legem , apenas para abrigar o caso dos supercondomínios.
Fixada, portanto, a premissa de que os condomínios são entes despersonalizados, passo à análise do caso concreto.”
Um ponto que merece destaque no julgamento deste recurso, é o voto divergente do ministro Marco Aurélio Belizze, o qual reconheceu a personalidade jurídica aos condomínios, porém foi voto vencido:
“Ser “pessoa” equivale, necessariamente, à atribuição ao menos de um mínimo de subjetividade jurídica. Logo, onde existir titularidade de um direitos haverá personalidade e, por via de consequência, capacidade para exercê-los. Se pessoa, à luz do Direito, é o ser a quem se atribui direitos e obrigações, não há como negar que não seja esta a situação jurídica do condomínio.
Nesse contexto, salienta-se que já à partir do registro de sua instituição fica o condomínio obrigado a se cadastrar na Receita Federal para obter o CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas), o que lhe habilita a travar, cotidianamente, uma série de relações jurídicas perfeitamente delineadas e particularizadas, quer atuando como titular de créditos e débitos, quer sendo sujeito de relações de Direito Cambiário, titular de contas bancárias, contratando como empregador, preenchendo livros fiscais, respondendo por atos ilícitos praticados por seus prepostos e empregados, figurando como credor ou devedor em razão de disposição contratual, podendo transigir, ter obrigações perante o Fisco e à Previdência, dentre outras. Em resumo, é sujeito de direitos e obrigações como a generalidade das empresas, sendo obrigado, inclusive, a reter parcelas devidas ao INSS, PIS, COFINS E CSLL, atuando na vida negocial como qualquer outra pessoa.
Ora, sendo assim, não se afigura razoável a visão reducionista do instituto do condomínio especial de modo a considerar que ele só detenha uma personificação inerente e estritamente atrelada às suas próprias finalidades, vez que as relações e interrelações mantidas pelo condomínio vão muito além das relações internas entre seus participantes, exteriorizando-se para afora das fronteiras da comunidade de coproprietários, o que reafirma sua existência independente dos titulares de cada uma das unidades autônomas.
Nessa linha de raciocínio, diante da multiplicidade e da complexidade de suas atuações, já seria possível o reconhecimento da personificação jurídica dos condomínios edilícios.”
Apesar do coeso voto supracitado e do entendimento de parte da doutrina, ao condomínio não foi reconhecida a personalidade jurídica.
Entretanto, esse cenário pode mudar, considerando o Projeto de Lei n° 3.461, de 2019, de iniciativa do Senador Fernando Bezerra Coelho (MDB/PE), que em sua ementa firma:
“Prevê a possibilidade de o condomínio edilício adquirir personalidade jurídica de direito privado mediante o registro, no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, de seu ato de instituição, de sua convenção e da ata que registra a sua constituição.”
Em 16/09/2021, o projeto de lei foi aprovado pelo Senado, o relator, senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR), concordou com os termos do PL, para ele, é preciso garantir segurança jurídica ao prever legalmente condomínio no rol das pessoas jurídicas de direito privado elencadas no Código Civil.
Desta feita, o projeto de lei seguirá para a Câmara dos Deputados, onde será necessária nova aprovação, para posterior sanção ou veto do presidente da República, a tendência é que haja essa aprovação, o que seria um importante marco na vida dos condomínios.
O condomínio vem exercendo atividades de pessoa jurídica há muito tempo, ao longo dos anos foi preciso adequar suas atuações e necessidades, de rigor que o conceito de pessoa jurídica está defasado em não enquadrar o condomínio em seu rol, e caso haja aprovação do Projeto de Lei os mesmos serão beneficiados.
[1] PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. Rio de Janeiro: Borsoi, 1972. t. LVI.
[2] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 20 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. v. I.
Carlos Simão – Bacharel em Direito pela Universidade Paulista. Pós-Graduado em Direito Processual Civil pelo IBMEC-Damásio. Membro da Comissão de Direito Condominial da OAB de São Caetano do Sul, possui mais de 2 anos de experiência em Direito Imobiliário e Condominial. Atualmente, advoga na ZMR Advogados na área de Direito Condominial.