Para quem atua no direito imobiliário, especialmente nas ações de cobranças de despesas condominiais, é comum pairar dúvidas sobre a legitimidade passiva na hora de acionar o devedor em juízo.
Isso porque, muitas vezes a administração do condomínio não detém informações exatas sobre determinado proprietário ou possuidor da unidade condominial. E ao checar a informação mediante a análise da certidão de matrícula imobiliária, é comum constatar que o titular da propriedade não é o possuidor daquele imóvel, o que levaria assim a afastar a obrigação do proprietário em arcar com as despesas condominiais.
Existem inúmeras demandas judiciais que travam quando o assunto é a questão da legitimidade passiva nas cobranças condominiais, de modo que o condomínio ora aciona somente o possuidor, ora somente o proprietário, e outros casos, ambos são incluídos como responsáveis pela dívida condominial.
E não é raro os juízes decidirem das formas mais variadas, prejudicando em algumas situações, o condomínio credor, que não consegue buscar a satisfação do débito por conta do problema da legitimidade passiva e gerando ainda a condenação em sucumbência pela exclusão do possuidor ou proprietário.
Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial nº 1.696.704, tendo como Relatora a Ministra Nancy Andrighi, reconheceu por maioria de votos, que “Em se tratando a dívida de condomínio de obrigação propter rem e partindo-se da premissa de que o próprio imóvel gerador das despesas constitui garantia ao pagamento da dívida, o proprietário do imóvel pode figurar no polo passivo do cumprimento de sentença, ainda que não tenha sido parte na ação de cobrança originária, ajuizada, em verdade, em face dos promitentes compradores do imóvel”.
Analisando essa importante decisão, restou decidido que “por se tratar de obrigação de natureza propter rem, ou seja, decorrente da titularidade de um direito real sobre a coisa, a responsabilidade pelo pagamento das despesas condominiais recai, por excelência, sobre o proprietário da unidade imobiliária, podendo ainda se estender a outros sujeitos que tenham relação jurídica material com o imóvel e que sobre ele exerçam algum dos aspectos da propriedade, a exemplo de promissórios compradores, locatários, arrendatários, dentre outros”.
A decisão prestigia o interesse da coletividade em receber os recursos para pagamento das despesas da massa condominial, garantindo ao condomínio a escolha de quem poderá cumprir com a obrigação, e assegurando aquele que recaiu o ônus o direito de regresso.
Nos termos da decisão, é garantido ao condomínio a propositura da ação em face de qualquer um daqueles que tenham relação jurídica com o imóvel, permitindo assim que proprietário e possuidor sejam demandados.
E o mais interessante no julgado é que independente da fase processual, o titular da propriedade poderá ser incluído no polo passivo, como ocorreu nesse caso na fase de cumprimento de sentença, não tendo o proprietário participado na fase de conhecimento, prestigiando a natureza propter rem da obrigação e os princípios constitucionais do processo como instrumentalidade das formas e efetividade, citando precedente julgado pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (Resp. (REsp 1.829.663/SP, DJe 07/11/2019).
Por fim, a decisão ainda traz importante distinção daquilo que restou decidido pela 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (REsp nº 1.345.331/RS, DJe 20/4/2015), tendo como Relator Ministro Luis Felipe Salomão: “Com efeito, a 2ª Seção desta Corte, em recurso especial julgado sob o rito dos recursos repetitivos, decidiu que: “a) O que define a responsabilidade pelo pagamento das obrigações condominiais não é o registro do compromisso de compra e venda, mas a relação jurídica material com o imóvel, representada pela imissão na posse pelo promissário comprador e pela ciência inequívoca do condomínio acerca da transação; b) Havendo compromisso de compra e venda não levado a registro, a responsabilidade pelas despesas de condomínio pode recair tanto sobre o promitente vendedor quanto sobre o promissário comprador, dependendo das circunstâncias de cada caso concreto; e c) se ficar comprovado: (i) que o promissário comprador se imitira na posse; e (ii) o condomínio teve ciência inequívoca da transação, afasta-se a legitimidade passiva do promitente vendedor para responder por despesas condominiais relativas a período em que a posse foi exercida pelo promissário comprador”
Não existe colisão com o julgado em análise, já que a controvérsia é referente a legitimidade para figurar no polo passivo (direito processual) enquanto a decisão da 2ª Turma analisa a legitimidade para responder pela obrigação, ou seja, a responsabilidade pelo adimplemento (direito material).
Concluindo, a decisão do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial nº 1.696.704, tendo como Relatora a Ministra Nancy Andrighi, garantiu ao condomínio a possibilidade de cobrar do proprietário que consta na matrícula do imóvel as despesas condominiais em aberto, em qualquer fase do processo, ainda que este não tenha mais a posse ou não tenha ainda transferido a titularidade, preservando acima de tudo o direito do condomínio credor quanto ao recebimento dos recursos em prol da coletividade.
Flavio Marques Ribeiro – Advogado com experiência profissional desde 2002 e com atuação em grandes escritórios de advocacia; Especialista em Processo Civil pela PUC/SP, conclusão em 2007; Atuação nas áreas de Direito Civil, Imobiliário e Empresarial; Pós-graduando em Direito Civil e Empresarial pela Damásio Educacional (conclusão em 2021); Pós-graduado em Direito Imobiliário pela Escola Paulista de Direito em 2016.