Este breve artigo tem como finalidade trazer as principais questões jurídicas travadas em tempos de pandemia da COVID-19 nos condomínios edilícios, locações e compromissos de compra e venda de imóveis na planta.
Vamos trazer nossa opinião sobre os assuntos mais relevantes e de algumas decisões proferidas pelo Poder Judiciário nesse momento tão difícil que vivemos.
Sem nenhuma intenção de esgotar o assunto, a ideia é ajudar os leitores na melhor solução do caso concreto visando a resolução pacífica do litígio (também na seara extrajudicial) ou na abordagem mais adequada para o sucesso na pretensão.
Antes de abordar os demais, salutar mencionarmos sobre o Projeto de Lei 1179/20 que finalmente sairá do papel. A demora na sua aprovação fez com que inúmeras decisões judiciais sejam proferidas aleatoriamente, onde cada juiz ou Tribunal local cria o seu próprio entendimento, aplicando critérios exclusivamente subjetivos e causando enorme insegurança jurídica.
Temos ainda o PL 2323/20que contém pedido de apensamento ao PL 1179/20 acima que também traz mudanças na relação dos condomínios, dando ênfase a restrição das áreas comuns atribuindo ao Síndico a fiscalização, a questão das obras e a validação da assembleia virtual.
Condomínios Edilícios
Em matéria de condomínio, já tive a oportunidade de escrever sobre os impactos da COVID-19 em 02 (dois) artigos publicados no site do escritório.
Nesses 03 (três) meses de pandemia, os demais mais discutidos no Judiciário tem sido a realização das assembleias, prorrogação do mandato do Síndico, uso das áreas comuns e a das obras nas unidades autônomas.
Sobre as assembleias, não existem muitos casos judiciais tratando tão somente do cancelamento da reunião em razão da pandemia, o que demonstra bastante bom senso na maioria dos condomínios em atendimento aos decretos governamentais.
Por outro lado, uma alternativa para realização das assembleias seria em seu formato virtual, indo de encontro com o momento da pandemia que exige o isolamento social, e dando sequência na vida condominial, ainda mais quando o assunto a ser deliberado for urgente, havendo mecanismos eletrônicos eficazes para o uso do mecanismo digital.
Cabe frisar que ainda que aprovado e sancionado o PL 1179/20, não há prejuízo para assembleia virtual, desde que resguarde a participação de todos que dela tenha interesse (art. 1335, inciso III, Código Cívil), assegurando todos os requisitos legais a fim de evitar nulidades.
Mesmo após o encerramento do PL 1179/20, acredito que a assembleia no seu modo virtual deve permanecer, ainda mais que levarmos em consideração que tão meio já é utilizado em outras áreas, como nas sociedades anônimas e no processo eletrônico onde se tem audiências virtuais.
No tocante a prorrogação de mandato do Síndico, nosso escritório teve sucesso no caso, sendo deferida tutela urgência para garantir a continuidade da administração do condomínio diante da atual crise de saúde pública, com a permanência para o cargo até o segundo semestre.
Em contrapartida, outro juízo negou pedido de um condomínio quanto a prorrogação do mandato dos cargos de Síndico, conselheiros e subsíndico, sob o fundamento de que existem alternativas para realizar a votação, como o meio virtual ou instalação de urna em área de fácil acesso
Ainda que se possa haver meios para realização da assembleia pelo meio virtual, a deliberação para tal finalidade não é urgente, o que torna prudente manter os atuais representantes do condomínio na gestão até a possibilidade de nova deliberação.
Entretanto, se naquele condomínio for possível realizar a assembleia virtual, assegurando-se todos os requisitos legais, não pode o Judiciário intervir na vida condominial, devendo assim prevalecer a vontade da coletividade.
Quanto as áreas comuns, temos visto alguns condôminos brigando com Síndicos e buscando a via judicial para uso das áreas de lazer. Sabemos que o confinamento é difícil para todos, mas o momento é de excepcionalidade e a saúde da coletividade deve ser preservada contra o interesse individual.
Cabe ao Síndico juntamente com o corpo diretivo, o dever de adotar medidas para resguardar a saúde dos condôminos, restringindo o acesso às áreas comuns, conforme decidido em Vitória/ES.
Em relação as obras nas unidades autônomas, o que deve ser averiguado é se a obra tem natureza emergencial. Não se pode permitir que condôminos aproveitem o momento de pandemia para realizarem reformas que não sejam essenciais, colocando em risco a saúde e a vida dos demais condôminos.
Nesse sentido, foi a decisão do Tribunal de Justiça ao decidir que “a moradora não teria prejuízo em suspender a obra porque o serviço a se realizar não é emergencial e pode causar prejuízo à segurança dos condôminos”.
No Estado do Rio de Janeiro, foi criada a lei 8.808/20 onde o governador autorizou que condomínios possa proibir a realização de obras e reparos que não sejam emergenciais durante o plano de contingência para combate ao COVID-19.
As dúvidas e os critérios a serem observados quando falamos em realização de obras são as dificuldades em muitos casos de se compreender o que seria urgente ou não, bem como se determinada obra possa prejudicar a saúde ou perturbação de sossego aos demais condôminos (art. 1336, inciso IV, do Código Civil)
Tomamos por exemplo, casos em que um proprietário decide fazer uma reforma na sua unidade para fins de locação. Se for feita com a segurança necessária, com funcionários trabalhando dentro da unidade, evitando movimentação de acesso nas áreas comuns, não causando prejuízo a saúde ou sossego aos demais condôminos, pode ser arbitrário a decisão do Síndico proibir a obra.
Por isso, é importante que haja bom senso de todos os envolvidos, evitando conflitos desnecessários, e levando o caso para o Judiciário sem dialogar ou usar critérios de razoabilidade.
Locações
Nas locações, talvez tenhamos as mais variadas decisões judiciais, onde cada juiz ou Tribunal faz o seu entendimento próprio, abrindo precedentes perigosos que acabam inclusive incentivando a procura pelo Judiciário.
Em primeiro lugar, o que se deve em mente é que as partes contratantes procurem esgotar ao máximo a negociação, evitando procurar a Justiça, utilizando-se inclusive de meios alternativos de conflitos como a mediação e arbitragem.
A maioria das decisões que temos visto são fundamentadas na revisão dos contratos, utilizando-se onerosidade excessiva (artigos. 478 e 479 CC), visando restabelecer o equilíbrio econômico prejudicado pela pandemia (artigo 317 CC).
A demora de uma lei que definisse com clareza os critérios de descontos dos aluguéis (inclusive, o PJ 1179/2020 não atribui nenhuma margem de abatimento apenas autoriza a suspensão) faz com que o Judiciário defina os critérios em cada caso que lhe é submetido.
Em São Paulo, decidiu-se pela suspensão total do contrato de locação comercial, pela ocorrência de fato imprevisível diante da impossibilidade da loja exercer suas atividades .
Outra decisão autorizou desconto de 50% (cinquenta por cento) do valor do aluguel de imóvel comercial afetada pela pandemia, onde o Tribunal de Justiça ponderou “ser possível reconhecer que a situação retrata hipótese de força maior, de modo que a empresa poderia resolver o contrato ou postular a adequação do valor, conforme previsão do CC – tendo optado pela segunda alternativa”.
Há outra decisão que determinou o pagamento de apenas 30% (trinta por cento) do valor original do aluguel, sob o argumento de forte queda dos rendimentos do inquilino, com amparo no artigo 317, do CC
Desta forma, a temática dos aluguéis está sendo levada em alta quantidade pelo Poder Judiciário, gerando uma série de decisões distintas, podendo beneficiar ou prejudicar tanto locador como locatários em razão da ausência de uma lei clara sobre o tema, bem como de alguns critérios subjetivos utilizado por cada juízo.
Compromissos de compra e venda de imóveis na planta
Por fim, nos contratos de compra e venda de imóveis na planta, é certo que a pandemia também atinge todos envolvidos, fazendo com que muitos adquirentes busquem renegociações dos contratos.
Aqui existe ainda a aplicação do Código de Defesa do Consumidor em favor dos compradores, o que pode prejudicar os vendedores, com a aplicação dos artigos 6º, inciso V, e 51, §1º, inciso III, do aludido código.A chamada “Lei do Distrato” (13.786/2018) certamente será colocada a prova, podendo enfrentar resistência nos tribunais para sua aplicação.
Essa lei que foi sancionada em dezembro de 2018 (portanto, somente atinge contratos posteriores a esse período), permite, nos casos de distratos por iniciativa do adquirente e sem que haja culpa da incorporadora, a retenção de 25% (vinte e cinco por cento) dos valores pagos, devendo a diferença ser paga ao comprador desistente em até 180 (cento e oitenta dias) ou quando da realização de nova venda da unidade.
No caso de a incorporação estar subordinada ao regime do patrimônio de afetação, a retenção é de 50% (cinquenta por cento) devendo a diferença ser restituída ao adquirente em até 30 (trinta) dias após a conclusão da obra. Nos loteamentos, a retenção máxima permitida é de 10% (dez por cento) do valor do contrato, com a restituição em 12 (doze) parcelas mensais.
A redução do montante a ser retido, especialmente nos contratos envolvendo empreendimento com patrimônio de afetação, que chega a 50% (cinquenta por cento) do total pago, pode em tese ser modificada pelo Judiciário ainda mais nesse momento de pandemia.
Sabemos que o construtor assume como regra os riscos do negócio, porém, em virtude da pandemia, a execução do contrato está comprometida, ainda que governos decretem que a atividade de construção civil seja considerada serviço essencial.
Evidente o direito ao adquirente de pleitear a revisão ou resolução do contrato, mas não esquecemos também das dificuldades enfrentadas pelos construtores, não podendo simplesmente ser levado em apreço tão somente a responsabilidade objetiva do fornecedor.
Caberá ao Judiciário deverá enfrentar as questões relativas aos prazos de devolução, atraso na entrega da obra, financiamento bancário, desistência do empreendimento, entre outras situações, devendo cada caso ser analisado evitando injustiças.
Mais uma vez, repita-se, salutar que as partes devem procurar negociarem os termos de eventual distrato ou revisão da avença.
Conclusão
Concluindo esse trabalho, o mundo não será mais o mesmo pós pandemia, inclusive nas relações jurídicas aqui mencionadas.
Ainda que decisões sejam proferidas quanto ao momento que passamos, seus efeitos vão permanecer por longos anos diante da a própria morosidade do nosso Poder Judiciário.
Em qualquer dos temas trazidos em debate, é preciso que todos tenham a compreensão da excepcionalidade do momento e procurem soluções equilibradas, usando o bom senso inclusive evitando acionar, sem esgotada a via extrajudicial ou da negociação, o Poder Judiciário que já se encontra abarrotado.
Flavio Marques Ribeiro, advogado com experiência profissional desde 2002; Especialista em Processo Civil pela PUC/SP. Experiência profissional em grandes escritórios de advocacia, com excelente prática nas mais variadas causas de Direito Civil, em especial e Direito Imobiliário. Pós-graduado em Direito Imobiliário pela Escola Paulista de Direito.